Alimentos afrodisíacos na história da gastronomia

Receita da Velha - Afrodisiaca

Alimentos afrodisíacos na história da gastronomia

Desde que o ser humano conhece a escrita temos notícias de afrodisíacos capazes de dar maior potência sexual ou aumentar o desejo de seu parceiro ou parceira.

Por Cintia Gama Rolland*

Há muitos exemplos celebres na história da gastronomia, entre eles:

No Egito Antigo, o povo acreditava que tanto as cebolas quanto a alface eram alimentos afrodisíacos associados ao deus Amon-Min. Vide a cena de oferendas de alface ao deus Amon-Min feita por Ramsés II em Abu Simbel.

Já na Bíblia, há uma referência a um afrodisíaco, em Cântico dos Cânticos, o livro escrito pelo Rei Salomão, o filho do Rei David.

No capítulo 7 versículos 13 e 14, fala-se assim de uma raiz com efeito afrodisíaco: “As mandrágoras estão cheirando o perfume. Temos na porta muitas frutas deliciosas, velhas e novas, que eu tenho guardado para ti, oh meu amor! ”

O poder histórico dos peixes e frutos do mar

Em Roma, o filósofo Apuleio, séc II d.C., teria empregado uma receita afrodisíaca para conquistar a rica viúva romana Pudentilla. Tratava-se de uma deliciosa sopa de peixes, conhecida em Marselha como Bouillabaisse.

O autor romano foi até acusado de bruxaria pela família da viúva de tão grande o poder do ensopado de peixes.

Apicius, autor romano do primeiro livro de cozinha, não deixou de anotar receitas afrodisíacas. Dentre elas, a receita de lentilhas com frutos do mar – Receita da Velha –, que estará disponível no fim do artigo.

Os peixes também eram elogiados por Anthelme Brillat-Savarin (1755-1826) que conta que Saladino, ao tentar testar a pureza e a castidade sexual dos religiosos, primeiro teria imposto a eles um regime a base de carne vermelha, o que se mostrou ineficaz.

Por conseguinte, forçou os religiosos a se alimentarem apenas de peixes. O que teria feito os dervixes (praticante aderente ao islamismo) ficarem tão excitados que eles teriam corrido atrás das mulheres do harém do sultão.

Giovanni Giacomo Casanova (1725-1798), o mais celebre sedutor de todos os tempos, era também um grande adepto de afrodisíacos.

Para ele, a chave de todo o sucesso estava no consumo de ostras com champanhe. Reza a lenda que ele teve mais de 132 mulheres. Além do espumante e das ostras ele aumentava o aquecimento de sua casa para que as mulheres tivessem vontade de se despir mais rapidamente.

Ele também tinha uma estratégia especial, em que as pessoas deviam passar as ostras de uma boca para outra.

Comer alcachofra, dizem, é como ser acariciado

Na época moderna francesa, acreditava-se que as alcachofras fossem afrodisíacas, bem como a baunilha e o chocolate, todos grandes estimulantes do sexo feminino.

Há, inclusive um poema sátiro anônimo que diz:

Alcachofras! Alcachofras!

Elas aquecem o corpo e o espírito!

Elas aquecem as partes nobres!

Catarina de Médici adora alcachofras!

Comer alcachofra, dizem, é como ser acariciado. Catarina de Médici, como o versinho já mostra, teria escandalizado a corte francesa por deixar clara sua paixão por alcachofras.

Apreciar tanto um afrodisíaco não era uma atitude muito adequada para uma mulher, ainda mais da alta nobreza. Mas não há registro de queixas por parte do marido, Henrique II.

Do oriente, as raízes e os ninhos

Os chineses tinham, desde tempos antigos, o costume de usar os afrodisíacos medicinais e mecânicos.

Eles conheceram o afrodisíaco vegetal usado até hoje, o gengibre, e com ele faziam uma geleia que estimulava especialmente as áreas sexuais da mulher.

Também usavam outra raiz, a do ginseng ou, com os mesmos efeitos.

Porém, o mais forte dos afrodisíacos por eles usado é, sem dúvida, a sopa de ninho de pássaro. Uma preparação bem temperada que nunca falha, segundo os chineses.

Os ninhos são tirados das montanhas perto do mar. E na Europa, esta sopa foi sempre muito procurada, sendo que as pessoas chegavam  a pagar uma fortuna pelo sabor delicioso e exótico que apresenta.

A literatura tradicional da Índia traz diversas referências aos afrodisíacos. Nunca existiu uma quantidade tão importante de dados como o que se acha no Kama Sutra, por exemplo.

Kama quer dizer “prazer de amor” ou “prazer físico” e Sutra é o “escrito”. Um vegetal que era muito usado na Índia, também conhecido na Europa, era a raiz do Kang (grama húngara ou panicum italicum) misturado com mel, segundo outro livro, o Ananga Ranga.

Mistério e a Lei da similaridade

Algumas comidas foram glorificadas como afrodisíacas por serem raras ou misteriosas. Além disso, muitos povos antigos acreditavam na “lei da similaridade”, o que os faziam crer que objetos semelhantes aos órgãos genitais teriam efeitos sexuais.

A similaridade do formato do chifre do rinoceronte com o órgão sexual masculino é o que lhe deu a reputação mundial de aumentar o desejo, uma vez que o próprio formato facilitava a autossugestão.

Mas os cientistas explicam que o chifre contém uma porção significante de cálcio e fósforo, e conduz ao maior vigor físico e possível melhoria do interesse sexual.

Seja como e onde for, no decorrer da história, a busca por afrodisíacos é incessante e na maioria das vezes, esses são alimentares.

Se sua ação é mítica ou verdadeira, isso não se pode dizer, pois por mais que alguns afrodisíacos sejam testados pela ciência, não se pode esquecer do fator de autossugestão ou placebo desses alimentos.

Mais algumas curiosidades:

  • Na Grécia, acreditava-se que os testículos de asno, cozidos ou mesmo pendurados no pescoço dos homens, serviam como amuletos para a virilidade;
  • Os testículos de leão são muito apreciados na África, por transmitirem força e coragem;
  • No Chile, churrasco com testículos de gado são pratos comuns entre os homens do campo;
  • Catarina, a Grande Imperatriz da Rússia, ganhou fama de sexualmente insaciável. Defendia relações sexuais 6 vezes ao dia e talvez tenha cumprido a prescrição até morrer, aos 77 anos. De manhã, gostava de chá com vodca e omelete de caviar, extremamente afrodisíacos;
  • Os astecas conheciam bem o poder do chocolate:  diz-se que Montezuma bebia 50 xícaras de chocolate ao dia para bem servir suas 600 mulheres;
  • Os chineses consideravam o damasco como um símbolo de sensualidade da natureza. É tido como um dos frutos de Eros;
  • Gengibre quente mata a sede, reanima e estimula o cérebro. E na idade madura, despertaria os amores;
  • Segundo Shakespeare, a hortelã, a lavanda e o alecrim seriam grandes estimulantes para homens de meia-idade;
  • O incenso egípcio mais famoso é o Kyphi, uma mistura de 16 ingredientes, dentre eles: açafrão, canela, zimbro, mel e uvas-passas. Foi descrito como “um aroma apreciado pelos deuses”. Era queimado depois do pôr do sol para garantir a volta de Rê, o Deus Sol, e também por seu efeito inebriante e afrodisíaco;
  • O chá de jasmim é um maravilhoso auxiliar de Afrodite. A flor é utilizada em incensos, na culinária, como óleo, em perfumes e sachês;
  • Paulina Bonaparte, a irmã de Napoleão Bonaparte, é descrita como ninfomaníaca incorrigível. Sua poção do amor consistia em morangos e champanhe.

Abaixo, receita oriunda do De Re Coquinaria, um dos primeiros livros de receita ocidentais, do Império Romano.

Receita da Velha

Lentilhas com frutos do mar (Apicius  “DE re Coquinaria”, livro V)

  • 600 gramas de frutos do mar limpos;
  • 200 gramas de lentilhas verdes;
  • 30 ml de vinho tinto;
  • 1 colher de café de mel;
  • Uma pitada de azeite de oliva extravirgem;
  • 2 alhos-porós pequenos;
  • Uma pitada de coriandro, menta, alho, sal e pimenta.

Modo de preparo

  1. Ferver as lentilhas em água salgada durante uma hora, acrescentar o coriandro, a menta, o alho, o sal, a pimenta, os alhos-porós, o vinho, o mel e duas colheres de azeite de oliva;

  2. Cozinhar até que as lentilhas estejam macias;

  3. Fritar com azeite de oliva o alho, o coentro e colocar os frutos do mar aos poucos;

  4. Acrescentar colheres de água e cozinhar durante 3 minutos;

  5. Colocar as lentilhas num bol e sobre as mesmas os frutos do mar

 

*Prof. Dr. Cintia Gama Rolland é historiadora da gastronomia, egiptóloga e coordenadora do curso de Gastronomia do Centro Universitário FMU.

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