Fragilidade emocional das pacientes precisa ser observada durante o tratamento do câncer de mama e vem como alerta no mês em que a campanha Outubro Rosa reforça o cuidado com a saúde da mulher
Vânia Cristina Cardoso, hoje com 45 anos, nunca vai se esquecer da coragem que precisou ter para colocar fim a um relacionamento de 21 anos em meio à pandemia da COVID-19 e à recidiva do câncer de mama. O ano de 2020 marcou profundamente a vida da família, que voltava a ser abalada pelo diagnóstico de câncer e pelos cuidados necessários à paciente, submetida a sessões de radioterapia.
Vânia foi diagnosticada com câncer em uma das mamas em 2016, quando tinha 36 anos. Na ocasião, fez sessões de quimioterapia, perdeu os cabelos e, por precaução, retirou as duas mamas. Ela se lembra bem deste período e do carinho que recebeu do filho, na época com 14 anos, e do marido, que chegou a fazer um curso de cuidador, o que possibilitou uma ajuda prática e efetiva durante o tratamento.
No entanto, na recidiva, Vânia já não sentiu o mesmo apoio. “Foi muito difícil encarar a situação mais uma vez, especialmente diante da pandemia. Todo mundo viveu intensamente todos os problemas e eu não senti o mesmo apoio por parte dele”, conta Vânia, que diz ter tomado a decisão mais difícil da vida. “Decidi me separar dele e seguir o meu caminho. Eu percebi que ele não estava sabendo lidar com a minha doença e as consequências dela e comecei a me sentir um peso. Coloquei fim a uma relação de 21 anos”, relembra.
A experiência de Vânia é uma realidade para muitas mulheres em tratamento contra o câncer de mama, que vem sendo estudada por pesquisadores brasileiros, de norte a sul do país. O estudo AMAZONA III (GBECAM0115), realizado entre janeiro de 2016 e março de 2018, em 23 instituições no Brasil, resultou no artigo científico “O impacto de um diagnóstico de câncer de mama nos resultados conjugais e nos fatores associados ao divórcio e à separação”, divulgado em janeiro deste ano, que aponta que as mulheres atendidas pelo sistema público de saúde e submetidas à mastectomia, adenomastectomia ou mastectomia preservadora de pele, estiveram associadas a um maior risco de divórcio ou separação. A pesquisa revelou que das 599 mulheres casadas inscritas no estudo, 5,8% se divorciaram depois de dois anos.
Para Susana Ramanho, oncologista clínica e chefe do Departamento de Tumores Femininos do Grupo SOnHe, o acolhimento dos parceiros é fundamental durante o tratamento do câncer de mama. “A mulher está fragilizada e com a autoestima bastante abalada em função das medicações e especialmente da cirurgia de retirada das mamas. Aquela paciente já não se reconhece mais e quando não há esse acolhimento por parte do parceiro, o abalo emocional é ainda maior”, reforça a oncologista.
Vivian Trebbi, de 41 anos, vem recebendo muito apoio do namorado desde que descobriu o câncer de mama triplo negativo, tipo de tumor que se desenvolve rapidamente, em dezembro de 2023. Ela conta que a relação estava no início, tinha cerca de um ano e, ao descobrir a doença, Vivian decidiu romper o romance.
“Não achava justo mantê-lo na relação e disse que seria melhor terminarmos. Para a minha surpresa, ele não aceitou e disse que gostaria de estar ao meu lado naquele momento e em tantos outros… me senti segura”, conta Vivian. O grande medo dela era ser rejeitada pelo então companheiro.
Cuidar do emocional de uma paciente com câncer de mama é tão necessário quanto as sessões de quimio e radioterapia. O acolhimento faz parte do tratamento, de modo que ajuda a paciente a ter forças para seguir a jornada. Susana Ramalho reforça a necessidade de uma abordagem multidisciplinar às pacientes, que contemple as questões emocionais. “Não é só remédio, sessão de quimio e rádio ou a cirurgia… É uma mudança na vida daquela paciente, que precisa estar fortalecida, amparada, que precisa ser ouvida e cuidada”, explica a oncologista.
Vivian recebe o apoio do namorado, da filha de 11 anos, da mãe e se apega à fé e ao trabalho para finalizar a primeira etapa do tratamento. “Não é só acolhimento, é respeito, companhia, parceira e muito amor. Isso faz toda diferença…”, reforça.
Vânia também compartilha do mesmo pensamento e destaca a importância dos grupos de apoio, com pessoas desconhecidas que estejam enfrentando a mesma situação. Para ela, a troca de experiências é fundamental. “A gente se conhece também através do outro e compreende mais os desafios por meio dos desafios do outro”.
Vânia também aponta a atividade física como um dos pilares indispensáveis nesta jornada. “Eu faço exercício todos os dias e me sinto cada vez mais forte e mais livre. Eles ajudam, inclusive, a reduzir os efeitos colaterais do tratamento. Tudo passa! Nós temos cicatrizes no corpo e na alma. Precisamos aprender a admirá-las”, finaliza Vânia.
Como lidar com o diagnóstico de câncer de mama?
O diagnóstico de câncer de mama é, para muitas mulheres, um dos momentos mais desafiadores emocionalmente. Uma enxurrada de sentimentos como medo, ansiedade e tristeza podem tomar conta, e é natural se sentir emocionalmente abalada. Mas por que essas reações são tão intensas? E como elas podem influenciar no tratamento?
Segundo o psicólogo Richard Avila, que é mestre em Ciências da Saúde e é o fundador do Espaço Terapêutico Nosco, de Porto Alegre, a neurociência nos ensina que, apesar dos desafios emocionais que o câncer de mama traz, o cérebro tem a capacidade de se adaptar e se fortalecer por meio de práticas que promovam a resiliência emocional. “O autocuidado, o apoio social e a atenção às expectativas são aspectos fundamentais no enfrentamento dessa jornada. Ao investir em práticas que promovam a neuroplasticidade e a saúde mental, podemos enfrentar esse desafio com mais equilíbrio e esperança”, destaca ele.
O impacto emocional do diagnóstico de câncer de mama
Um diagnóstico de câncer de mama traz à tona uma série de emoções intensas que variam de pessoa para pessoa. O psicólogo Richard Ávila elencou alguns dos sentimentos mais comuns desse momento:
– Medo e ansiedade: O medo do tratamento, do desconhecido e do futuro é uma resposta natural à percepção de ameaça. A neurociência mostra que o medo é fortemente mediado pela amígdala, que interpreta o câncer como um perigo imediato, desencadeando uma reação ansiosa.
– Negação: A negação também é uma resposta comum e, de certa forma, uma tentativa do cérebro de proteger o indivíduo de um choque emocional. O córtex pré-frontal pode tentar minimizar ou reprimir a percepção de perigo para aliviar a sobrecarga emocional imediata.
– Raiva e injustiça: Sentimentos de raiva ou frustração muitas vezes surgem quando a pessoa se questiona: “Por que isso aconteceu comigo?”. Essa raiva é uma resposta biológica, desencadeada pela ativação do sistema nervoso simpático, que tenta buscar uma explicação ou culpado para a situação.
– Tristeza e depressão: A tristeza profunda é outra resposta comum, refletindo a compreensão das possíveis perdas associadas ao câncer, seja a perda de saúde, a mudança de papéis sociais ou até a mortalidade. A neurociência sugere que o desequilíbrio na produção de neurotransmissores, como a serotonina, pode estar associado a esses estados emocionais.
Felizmente, o cérebro não está destinado a ficar preso em padrões de resposta emocional desadaptativos. “A neurociência moderna demonstrou que o cérebro possui uma incrível capacidade de adaptação, conhecida como neuroplasticidade. Isso significa que, com o tempo e com o suporte adequado, é possível treinar o cérebro a lidar melhor com o estresse e com as emoções negativas associadas ao câncer”, explica Avila.
E quais são as melhores estratégias para lidar com o diagnóstico?
Existem pelo menos três estratégias principais que promovem a neuroplasticidade emocional, ou seja, a capacidade do cérebro de lidar melhor com algum diagnóstico difícil. O mindfulness (atenção plena) é o primeiro ponto citado pelo psicólogo: “Pesquisas indicam que a prática regular da atenção plena pode aumentar a conectividade entre o córtex pré-frontal e o sistema límbico, ajudando a regular as respostas emocionais. A meditação mindfulness, em particular, tem mostrado ser eficaz na redução da ansiedade e do estresse, melhorando a resiliência emocional”, detalha.
A prática de exercícios físicos é outro tópico citado pelo profissional, visto que a atividade física regular tem o poder de estimular a produção de neurotransmissores como a dopamina e a serotonina, responsáveis pela regulação do humor. O exercício também ajuda a reduzir a resposta do sistema nervoso simpático ao estresse.
Por fim, o psicólogo cita o apoio social como fundamental para lidar com esse momento. “O apoio de amigos, familiares e grupos de suporte é um fator crucial na resiliência emocional. A neurociência mostra que o contato social positivo estimula a liberação de ocitocina, um hormônio que promove sentimentos de bem-estar e segurança”, revela.
Embora os pontos acima foquem nos aspectos neurocientíficos, vale mencionar ainda que o tratamento psicológico, especialmente com abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), pode ser uma ferramenta valiosa no enfrentamento do câncer de mama. A TCC ajuda as pacientes a identificar e modificar pensamentos negativos, desenvolvendo melhoras na regulação emocional e nas habilidades de enfrentamento.
O emocional das pacientes pode impactar no tratamento da doença?
Outra área da neurociência aplicada ao câncer de mama envolve o papel das expectativas no tratamento. Segundo Richard Ávila, o conceito de “efeito placebo”, em que a expectativa de melhora pode induzir uma resposta positiva no corpo, é bem documentado. Por outro lado, o efeito nocebo, onde as expectativas negativas resultam em piora dos sintomas, também é uma realidade.
Estudos de neuroimagem mostraram que as expectativas podem modificar a atividade cerebral, afetando diretamente como o corpo responde ao tratamento. “Pacientes que acreditam na eficácia do tratamento tendem a experimentar menos dor e menor percepção de estresse, devido à ativação de áreas cerebrais associadas à recompensa e à redução da percepção de ameaça. Isso significa que, ao abordar o câncer de mama, a maneira como pensamos e nossas expectativas em relação ao tratamento podem sim desempenhar um papel importante na nossa resposta emocional e física”, resume o psicólogo.