Nos últimos anos, um termo passou a circular com naturalidade inquietante em conteúdos culturais, redes sociais e até em matérias de entretenimento: barebacking, que significa literalmente “montar sem sela”. Para alguns, trata-se apenas de uma escolha sexual. Para outros, é um símbolo claro de como o discurso do prazer absoluto pode atropelar limites básicos de responsabilidade individual e coletiva.
Barebacking é a prática intencional de relações sexuais sem preservativo, especialmente em contextos onde o risco de infecções sexualmente transmissíveis é amplamente conhecido. O ponto central da polêmica não está no “sexo sem camisinha” ocasional, mas na decisão consciente de rejeitar qualquer barreira de proteção, muitas vezes transformada em fetiche, identidade ou até estética cultural.
Quando o risco vira discurso
O que chama atenção não é apenas a prática em si, mas a narrativa que a envolve. O barebacking passou a ser defendido por alguns grupos como uma forma de liberdade sexual, resistência a normas sanitárias ou busca por uma experiência “mais real”, “mais intensa” ou “mais conectada”.
Nesse discurso, o preservativo aparece como um obstáculo ao prazer, à intimidade ou à autenticidade do encontro. A proteção deixa de ser vista como cuidado e passa a ser tratada como repressão. É aqui que o debate deixa de ser íntimo e se torna social.
Prazer individual, impacto coletivo
A sexualidade, embora pessoal, nunca é totalmente isolada. A romantização do sexo sem proteção ignora um dado simples: decisões individuais reverberam em redes inteiras de contato humano. O barebacking não afeta apenas quem pratica, mas parceiros, parceiros de parceiros e, em escala maior, o sistema de saúde.
Ao transformar o risco em fetiche, cria-se um paradoxo perigoso: ao mesmo tempo em que se exige respeito às escolhas sexuais, minimizam-se as consequências dessas escolhas quando elas extrapolam o corpo individual.
Entre informação e normalização
Outro ponto delicado é a forma como o tema tem sido tratado em conteúdos culturais e midiáticos. Quando matérias explicativas flertam com a neutralidade excessiva ou com a curiosidade leve, corre-se o risco de normalizar práticas de alto risco sem o devido contexto crítico.
Falar sobre barebacking não é o problema. O problema é falar sem deixar claro que não se trata apenas de uma “preferência”, mas de uma prática que carrega implicações médicas, sociais e éticas relevantes.
Fetiche ou irresponsabilidade?
Todo fetiche envolve fantasia, desejo e transgressão. Mas nem toda transgressão é inofensiva. O barebacking levanta uma pergunta incômoda que muitos evitam responder:
até onde a busca pelo prazer pode ir quando coloca outros em risco?
A linha entre liberdade sexual e negligência coletiva é tênue — e ignorá-la não torna o debate mais progressista, apenas mais perigoso.
O silêncio que também comunica
Talvez o aspecto mais preocupante seja o silêncio cúmplice que muitas vezes envolve o tema. O medo de parecer moralista, conservador ou preconceituoso faz com que críticas legítimas sejam evitadas. Com isso, abre-se espaço para que o risco seja vendido como escolha estilosa, ousada ou até empoderada.
Questionar o barebacking não é atacar a sexualidade de ninguém. É reconhecer que prazer sem reflexão não é libertação — é descuido disfarçado de discurso moderno.
O debate precisa existir, sem glamour, sem tabu e sem maquiagem cultural. Porque quando o risco vira fetiche, quem paga o preço raramente é apenas quem escolheu brincar com ele.












