Confusão entre HIV e Aids ainda é comum e piora o sofrimento e a situação exige acolhimento informativo para diminuir a angústia e melhorar do bem-estar psicológico, orientam os especialistas
A confusão entre os termos Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) , e a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids) é comum e piora o sofrimento entre os pacientes recém-diagnosticados como HIV+ no ambulatório de Moléstias Infecciosas do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe).
O engano ocorre principalmente entre as pessoas que viveram as décadas de 1980 e 1990, período em que a doença levava rapidamente à morte e o tratamento, em desenvolvimento, era pouco eficaz. A situação exige acolhimento informativo para diminuir a angústia e melhorar do bem-estar psicológico.
O HIV é o vírus causador da Aids. A infecção pode ser assintomática ou apresentar sintomas como cansaço, emagrecimento intenso e repentino e diarreia constante.
Quando não tratada, pode se tornar mais grave e propiciar o desenvolvimento da Aids e de outras doenças relacionadas à imunossupressão – comprometimento do sistema imunológico.
Nessa fase são frequentes enfermidades oportunistas, como infecções pulmonares, pneumonia e tuberculose em outros órgãos que não apenas o pulmão.
O infectologista do Iamspe Dr. Josias Oliveira Aragão explica que um dos motivos da confusão dos termos é a memória da imagem de pessoas com HIV extremamente debilitadas pela Aids nas décadas de 1980 e 1990.
“O preconceito e a desinformação podem ofuscar o sucesso dos medicamentos usados atualmente. A pessoa com HIV não necessariamente desenvolve a Aids. Hoje os remédios podem diminuir a quantidade do vírus no sangue até ser indetectável e impedir a transmissão pelo contato sexual”, esclarece.
Na época do aumento exponencial dos casos de HIV, o tratamento era feito, muitas vezes, com mais de 20 comprimidos e os medicamentos apresentavam efeitos colaterais significativos.
Atualmente, são usadas duas pílulas, ou uma em casos específicos, de drogas que provocam quase nenhuma reação. Com essa terapia, o controle do vírus pode ocorrer em semanas, evitando o desenvolvimento da Aids.
A transmissão do HIV acontece por relações sexuais desprotegidas e o compartilhamento de objetos perfurocortantes entre pessoas contaminadas, mas também de mãe que vive com o vírus soropositiva, sem tratamento, para o filho durante a gestação, parto ou amamentação.
A infecção pode ser evitada pelo uso de preservativo nas relações sexuais, além de outras medidas como a Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) e a Profilaxia Pós-Exposição (PEP) ao vírus, que formam algumas das estratégias de prevenção combinada.
Contribui para o controle do HIV e para a prevenção da Aids o diagnóstico precoce da infecção. Por isso, o Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) oferece gratuitamente aos usuários do Iamspe teste rápido para identificar a presença de anticorpos do vírus no sangue.
Os interessados devem ir ao ambulatório de Moléstias Infecciosas do Iamspe, no HSPE, de segunda a sexta-feira, das 7h às 16h, com a carteirinha do Instituto em mãos. O local fica na Rua Borges Lagoas, nº 1.755.
Conscientização e prevenção ainda são os melhores instrumentos para combater a AIDS e as ISTs no Brasil
Com uma estimativa de 990 mil pessoas vivendo com AIDS no Brasil e mais de 51 mil novos casos até o ano passado, segundo relatório da UNAIDS, o programa conjunto das Nações Unidas (ONU) para coordenar uma resposta global à epidemia de HIV/AIDS, faz-se urgente a promoção do acesso universal à prevenção, diagnóstico e tratamento do HIV, bem como a redução do estigma e discriminação relacionados ao HIV.
“É crucial que todos os profissionais de saúde e a sociedade participem na promoção da prevenção, assistência e proteção dos direitos das pessoas infectadas com o HIV, além de conscientizar a população sobre as ISTs”, destaca o Dr. Ivan Marinho, infectologista da Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo.
Embora o país ofereça tratamento gratuito para o HIV/AIDS desde 1996 e tenha um dos maiores e mais bem-sucedidos programas de tratamento de AIDS do mundo, desafios como a prevenção e conscientização ainda necessitam de mais atenção para o desenvolvimento de estratégias.
“Temos avanços significativos na luta contra o HIV/AIDS e é fundamental continuar enfrentando esses desafios para reduzir a incidência do vírus e promover práticas de prevenção eficazes. A conscientização, a educação e o apoio contínuo são essenciais para superar esses desafios e avançar na resposta ao HIV e outras ISTs, principalmente em relação às populações mais jovens”, aponta o Dr. Marinho.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas em 2021, aproximadamente 650 mil pessoas morreram de causas relacionadas ao HIV, e 1,5 milhão adquiriram o vírus. Isso equivale a mais de 4 mil novos casos todos os dias.
No final de 2021, estimava-se que cerca de 38,4 milhões de pessoas viviam com o HIV no mundo. Entre elas, 1,7 milhão são crianças com menos de 15 anos de idade. Dois terços do total (25,6 milhões) de pessoas que vivem com o HIV residem em países da África.
O Brasil atingiu apenas 1 das 3 metas globais propostas pelo UNAIDS para que a AIDS deixe de ser uma ameaça à saúde pública até 2030. Até o momento, 88% dos 990 mil brasileiros vivendo com HIV no país conhecem seu diagnóstico. Desses, 83% estão em tratamento e, entre eles, 95% estão com a carga viral suprimida. A meta do UNAIDS é de 95% para cada uma das situações até 2025. Em 2022, o país registrou 51 mil novos casos de HIV e 13 mil mortes.
Pep e Prep ajudam, mas a camisinha ainda é o melhor método de prevenção
Os tratamentos hoje existente são bem aceitos e eficazes, auxiliando na diminuição do número de mortes e aumentando a qualidade de vida dos portadores do vírus. Também de acordo com a UNAIDS, 29,8 milhões de pessoas estavam recebendo terapia antirretroviral em 2022.
O uso de preservativos e a testagem frequente são, ainda, as formas mais eficazes de prevenção dessa e outras ISTs, mas há, também, medicações que são aliadas nessa batalha contra o vírus. A médica Marina Dias Souza, infectologista na rede Kora Saúde, comenta que a Prep (Profilaxia Pré Exposição) é mais uma estratégia de prevenção ao vírus do HIV.
“O tratamento consiste no uso de antirretrovirais para previnir/reduzir o risco de adquirir a infecção pelo HIV e é aplicado em populações com maior exposição ao vírus. O uso da medicação é contínuo e diário e o SUS fornece gratuitamente tanto a Prep quanto o suporte, com consultas periódicas e acompanhamento regular. A eficácia referida em estudos mais recentes chega a 44%”, conta.
A Prep consiste no uso de dois antirretrovirais, formulados em um único comprimido. A especialista explica que, como qualquer medicação, há o risco de efeitos colaterais, mas geralmente eles são leves, como náusea e diarreia no início do uso, e tentem a desaparecer com o passar do tempo. Porém, em casos mais raros, pode ocorrer toxicidade renal e hepática.
Marina reforça que o uso da Prep não substitui o da camisinha, pois a Prep auxilia na prevenção de do HIV mas não tem efeito para prevenir outras ISTs. “A camisinha é uma das formas mais segura e simples para prevenção de ISTs e é preciso que se sejam vencidas as barreiras culturais e de informação para que, cada vez mais, os preservativos sejam vistos como um item indispensável na vida das pessoas que possuem vida sexual ativa”, finaliza.
Tratamento do HIV pode proporcionar vida normal aos pacientes
Conhecer a sorologia positiva de forma precoce aumenta muito a expectativa e a qualidade de vida de uma pessoa que vive com o vírus HIV. O tratamento antirretroviral da síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) é garantido para todos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Mesmo assim, de acordo com o Boletim Epidemiológico de HIV/Aids, divulgado pelo Ministério da Saúde em fevereiro, entre 2011 e 2021, o número de diagnósticos saltou 198%, passando de 13,7 mil para 40,9 mil.
Por outro lado, graças ao tratamento, os casos de Aids caíram 18,5% no mesmo período, passando de 43,2 mil novas notificações, em 2011, para 35,2 mil, em 2021. Isso acontece porque os medicamentos atuais conseguem controlar a infecção do HIV, impedindo a evolução para a sua forma grave, que é a aids. Por isso, nem todos que vivem com o HIV têm aids. Para seguir alertando a população sobre o tema, 1º de dezembro é o Dia Mundial de Combate à Aids, e o tema dá a cor vermelha ao mês.
A infectologista Juliana Barreto, que atende no centro clínico do Órion Complex, em Goiânia, detalha como é o tratamento para a doença. “Já que o HIV é um retrovírus, então o tratamento consiste em antirretrovirais, com medicações específicas. A pessoa que tem o diagnóstico de HIV, ela já inicia o tratamento com antirretroviral para tentar evitar que ela evolua com o caso de Aids. Então, o paciente hoje consegue, sim, levar uma vida normal se ele tiver adesão à terapia antirretroviral, que é conhecida como TARV”, explica.
A especialista ressalta ainda a diferença entre HIV e Aids. “A pessoa que vive com o HIV é portador do vírus. A Aids é a síndrome da imunodeficiência adquirida, que é o portador de HIV que já evoluiu com a doença oportunista, levando a uma taxa de defesa do corpo, que são os linfócitos CD4, a ficarem baixos, e a principal doença oportunista é a tuberculose. Então, é diferente ser um portador de HIV e a pessoa que tem a Aids”, salienta a médica. “Assim, se o paciente for portador do vírus HIV ele tem que aderir totalmente ao tratamento para não evoluir para Aids e ficar mais suscetível a contrair doenças, porque ela leva à baixa do sistema imune”, completa.
Relacionamentos
Hoje em dia, o portador de HIV pode se relacionar com outra pessoa tranquilamente. “Ele precisa falar com o parceiro que é portador de HIV para tomar todas as medidas. Ele tem que ter uma adesão total à terapia anti retroviral, para que dessa forma esteja com a carga viral zerada, isso é importantíssimo para que ele possa não transmitir e usar os métodos preventivos de barreira, como a camisinha. Isso é importantíssimo para que ele tenha um relacionamento normal com outra pessoa”, destaca Juliana Barreto.
Mulheres portadores do vírus também podem ter filhos sem transmitir para a criança. “Ela vai ter que sempre falar para o obstetra, é importantíssimo ter o acompanhamento pré-natal para poder já estar com a carga viral zerada para baixar muito o risco de transmissão para o feto. Além disso, no parto deve-se ter toda a questão clínica, de cuidados, um parto especial, por isso o obstetra tem que ter conhecimento”, orienta a infectologista.
Contudo, Juliana Barreto salienta que mesmo com toda a evolução do tratamento, é necessário seguir cuidados para evitar a evolução do HIV para a Aids. “É preciso acompanhamento médico especializado frequentemente, para que possa numa consulta, avaliar a carga viral, a taxa de defesa, o risco cardiológico. A gente já sabe hoje que o portador de HIV tem uma doença crônica, o vírus HIV aumenta o risco de doenças cardiovasculares, portanto, é necessário sim um acompanhamento especializado, para evitar a evolução da doença e para que você tenha uma vida normal”.
Desafios e Avanços na luta contra o HIV
A evolução no tratamento e estratégias de prevenção do HIV é notável, mas ainda existem alguns desafios cruciais, sendo o estigma e preconceito contra as pessoas que vivem com o vírus uma questão persistente.
A disseminação de informações enfrenta obstáculos e é essencial que seja feita uma melhor comunicação para a sociedade, desfazendo equívocos sem fundamento, por exemplo, que a transmissão pode ocorrer por meio de gestos de carinho.
No Brasil, a concentração em populações vulneráveis exige medidas específicas. A capilarização do acesso à PrEP é vital, assim como a melhoria nos serviços de Saúde Transversal. Ainda que o Brasil tenha avançado, enfrentamos desafios significativos, especialmente na redução do número de casos e na superação do estigma.
“Existem alguns desafios fundamentais para os próximos anos, como a ampliação da PrEP para toda a população, investimento em diagnóstico e manutenção dos pacientes indetectáveis, implementação de tecnologias injetáveis para tratamento e prevenção do HIV, desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiros, estratégias combinadas para cura e a superação contínua do preconceito em torno do vírus”, explicou , Dr. Álvaro Costa, diretor da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI).
“Para quem era adolescente ou adulto na década de 1980, isso pode parecer um flashback, pois nesse período o Brasil teve o primeiro caso de AIDS, seguido de um surto da doença. Naquela época, o assunto era visto de maneira extremamente preconceituosa e excludente,” afirma Dra. Karina Santos, médica do Time de Saúde da Sami, healthtech que tem um modelo focado em atenção primária à saúde, com time de saúde e cuidado coordenado. “Mais de 40 anos depois, no entanto, ainda encontramos muitos tabus e mitos sobre a AIDS e o HIV. Por isso, não somente agora, como em todos os outros dias do ano, é fundamental falar sobre a condição e levar informação de qualidade para mais e mais pessoas.”
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