Agosto Lilás: direitos e autoconhecimento no combate à violência contra a mulher

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Agosto Lilás: direitos e autoconhecimento no combate à violência contra a mulher

O mês de agosto é marcado pela campanha Agosto Lilás, uma iniciativa do governo federal destinada a conscientizar e combater a violência contra a mulher. Este movimento transforma o mês em um período de reflexão e ação na sociedade, incentivando especialmente as corporações a se envolverem nessa causa. 

Casos de violência e assédio têm sido cada vez mais denunciados, graças à maior conscientização e apoio às vítimas. Um exemplo que chocou o mundo foi o caso de Larry Nassar, ex-médico da equipe de ginástica dos Estados Unidos, que foi condenado por abusar sexualmente de várias atletas por anos.

Segundo o relatório “Safe at Work? Global Experiences of Violence and Harassment“, lançado pela Lloyd’s Register Foundation e com entrevistas realizadas pela Gallup, entre aqueles que já trabalharam em algum momento de suas vidas, uma em cada cinco pessoas relatou ter experimentado alguma forma de violência e assédio no trabalho (20,9%). Dentre os que relataram experiências de violência e assédio, mais da metade passou por isso mais de uma vez (58,5%).

A crise sanitária da COVID-19 exacerbou essas adversidades, elevando a vulnerabilidade das mulheres e obstaculizando o acesso aos serviços de denúncia e assistência. Persistem os desafios associados à cultura de violência e disparidade de gênero, contudo, esforços de sensibilização e advocacia demonstram que progressos são alcançáveis. No Brasil, a legislação busca amparar vítimas e penalizar perpetradores com consequências graves, representando um trabalho conjunto entre governo e agentes sociais.

Segundo informações de Paulo Akiyama, advogado especialista em direito familiar, o ano de 2022 registrou que, por minuto, 35 mulheres sofreram agressões físicas ou verbais no Brasil, conforme dados do estudo “Visível e Invisível – A Vitimização de Mulheres no Brasil”, conduzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Datafolha. “Como seres humanos, somos equivalentes perante a lei e temos o dever de ter nossos direitos assegurados, sem distinções de gênero, raça, etnia, classe social, idade, religião ou qualquer outro fator distintivo”, destaca.

Constantemente, surgem relatos de infrações destes direitos, gerando preocupações substanciais. “Não é uma realidade nova, infelizmente, que mulheres têm sido impedidas de gozar plenamente de seus direitos humanos através dos séculos, subjugadas a diferentes circunstâncias como abusos e atos de violência que variam do sutil ao feminicídio”, completa.

O estudo também revelou que aproximadamente 6 milhões de mulheres enfrentaram ofensas sexuais ou tentativas forçadas de relação sexual em 2022. Além disso, cerca de 51 mil mulheres experimentaram violência de forma diária e 45% delas não tomaram nenhuma ação após o incidente mais grave. Entre aquelas que sofreram violência, 65,6% eram negras e 30,3% tinham entre 16 e 34 anos. Mais de 31% dos ataques mais sérios foram efetuados por ex-companheiros.

Entretanto, houve uma redução de 3,4% nos índices de mortes violentas intencionais durante 2023 em comparação ao ano anterior, segundo relatório do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O total de vítimas diminuiu de 47,9 mil para 46,3 mil. As categorias de mortes violentas intencionais abrangem homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e feminicídios, incluindo ainda informações sobre a letalidade e mortalidade nas operações policiais.

A importância do autoconhecimento

A terapeuta integrativa e especialista em respiração consciente, Regina Pocay, enfatiza a importância do autoconhecimento como uma poderosa ferramenta na luta contra a violência.

“É essencial que as mulheres olhem para si mesmas e reconheçam o seu valor. O autoconhecimento é um pilar fundamental para que elas se fortaleçam internamente e saibam que têm direitos, que são importantes e merecem respeito,” diz Regina. 

Embora a violência física seja a mais conhecida, os abusos contra a mulher podem se manifestar de várias formas:

  1. Violência física: agressões que causam dano à integridade ou saúde corporal da mulher;
  2. Violência psicológica: comportamentos que causam dano emocional e diminuição da autoestima, como ameaças, humilhação e isolamento;
  3. Violência sexual: ato ou tentativa de manter relação sexual não consentida pela mulher;
  4. Violência patrimonial: qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos bens da mulher;
  5. Violência moral: ações que configurem calúnia, difamação ou injúria.

Regina reforça que o autoconhecimento permite às mulheres reconhecerem suas emoções, identificar situações de abuso e buscar ajuda com mais assertividade. “Quando uma mulher se conhece profundamente, ela se torna mais segura e capaz de tomar decisões que preservem sua integridade física e emocional,” diz. “É um processo de empoderamento contínuo, que envolve autoaceitação e a busca por uma vida livre de violência. O que espero, ao reforçar a importância do autoconhecimento, é que cada mulher possa olhar para dentro de si e descobrir a força que possui”, conclui. 

Aspectos Legais

“A história apresenta pontos relevantes na luta pelos direitos iguais das mulheres. Em 1928, surgiu a Comissão Interamericana de Mulheres (CIM), primeiro órgão intergovernamental dedicado aos direitos femininos. Já em 1948, o Brasil promulgou a Convenção Interamericana Sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher, assegurando aos dois sexos iguais direitos civis”, lembra o expert.

A Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, de 1953, ratificada no Brasil em 1963, coloca em pé de igualdade os direitos políticos de ambos os gêneros. Em 1975, a Primeira Conferência Mundial sobre a Mulher, na Cidade do México, proporcionou maior visibilidade internacional para a pauta feminina. “Apesar desses avanços, ainda há um longo caminho a percorrer para o respeito e cumprimento completo das leis vigentes”, destaca o especialista.

Também foi firmada, em 1984, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, ratificada pelo Brasil no mesmo ano. Ela detalha amplamente sobre os direitos humanos das mulheres e foca na erradicação da discriminação e promoção da equidade.

Em 2010, a ONU Mulheres foi fundada pela Assembleia Geral da ONU, unificando esforços globais para o amparo dos direitos femininos em seis frentes de ação: liderança e participação política, empoderamento econômico, fim da violência, paz e segurança, gestão e planejamento, além de normas globais e regionais.

No âmbito nacional, a legislação progrediu na valorização e proteção das mulheres. Inicialmente com a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que dispõe sobre medidas protetivas e conceitua a violência doméstica como delito. “A Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104/2015) intensifica a punição à violência ao enquadrá-la como homicídio qualificado, impondo penas mais severas de 12 a 30 anos de reclusão. A Lei nº 12.015/2009 reformou o Código Penal Brasileiro quanto aos crimes sexuais, alargando as salvaguardas às mulheres contra modalidades várias de agressão sexual”, explica Dr. Paulo.

Recentemente, entrou em vigor a Lei 14.899, que instrui que União, estados, Distrito Federal e municípios devem criar um plano de objetivos para o combate integrado à violência contra as mulheres. Ela incita a formação da Rede Estadual de Enfrentamento à Violência contra a Mulher e da Rede de Atendimento à Mulher em Situação de Violência. As redes, constituídas por representantes de instituições do setor público e membros da sociedade civil, visam a execução coordenada e abrangente de estratégias relacionadas ao tema.

Adicionalmente, o Decreto nº 7.958/2013 estabeleceu padrões nacionais para atendimento de vítimas de violência sexual, assegurando acompanhamento completo e digno. Junto a isso, há medidas que buscam paridade de gênero em áreas como a laboral. A Emenda Constitucional nº 72/2013, conhecida como a “PEC das Domésticas”, expandiu os benefícios trabalhistas às empregadas domésticas, garantindo prerrogativas como FGTS e carga horária regulamentada. Simultaneamente, o programa Rede Cegonha zela pelo direito ao planejamento reprodutivo e assistência humanizada durante gravidez, parto e pós-parto. Por último, a Lei n° 14.542/2023 estipula atendimento prioritário às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar pelo Sistema Nacional de Emprego (Sine).

“Caso você ou alguém próximo esteja diante de uma violação de direitos, conhecer os canais de ajuda e proteção é imperativo. Denúncias podem ser realizadas em delegacias ou pelo Disque 180, disponível 24 horas. Posteriormente, é viável requerer medidas protetivas de urgência, contempladas na Lei Maria da Penha, tais como o afastamento do agressor do domicílio ou a proibição de aproximação da vítima e de familiares”, indica ele. Mulheres que sofrem agressões podem procurar apoio jurídico gratuitamente por meio das Defensorias Públicas.

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