O Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (Lei 15.211/2025) enterra a velha desculpa de plataformas digitais e exige mecanismos de idade “confiáveis”. Chega de fingir que a criança não está acessando.
O fim de uma farça digital
Por anos, ele foi o guardião ineficaz do mundo online: um simples pop-up perguntando ao usuário se ele era maior de 18 anos. Crianças de dez, doze, ou quinze anos clicavam “Sim” com a mesma naturalidade com que respiravam, destravando um universo de conteúdo impróprio, exposição a abusos e publicidade predatória.
Agora, o Brasil diz BASTA. Com a sanção da Lei nº 15.211/2025, o chamado Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital), a velha prática do “botão mágico” se torna, para todos os efeitos, ilegal. A nova lei exige que as plataformas digitais — de redes sociais a sexshops — implementem mecanismos de aferição de idade mais robustos e confiáveis do que a autodeclaração.
Você pode consultar a íntegra da Lei nº 15.211/2025 aqui.
A Responsabilidade Mudou de Lado
A Lei 15.211 inverte a lógica da segurança. Antes, a responsabilidade de “dizer a verdade” era do menor. Hoje, a obrigação de verificar a verdade é da empresa.
O texto é claro ao determinar que plataformas com acesso provável ou direcionado a menores devem garantir sua proteção prioritária. Isso significa que, ao invés de aceitar um “Sim” genérico, as empresas terão que investir em tecnologias que realmente comprovem a idade do usuário.
Que tipo de tecnologias? O mercado aponta para soluções como:
- Verificação por Documento: Uso de documentos de identidade, com a ressalva de que o sistema deve garantir a privacidade e segurança desses dados sensíveis.
- Verificação Biométrico-Facial: Sistemas que, através da análise facial, podem estimar a idade com alta precisão, evitando o armazenamento de dados de identificação pessoal.
- Certificação Parental Aumentada: Mecanismos que exigem a confirmação e o monitoramento do acesso do menor por um responsável legal, muitas vezes usando dados ou contas do adulto.
A mensagem do legislador é inequívoca: a desculpa de “não sabíamos que era uma criança” não será mais aceita quando se tratar da exposição a pornografia, violência, bullying ou a recente preocupação com a “adultização infantil” para fins comerciais.
O Trecho que Mata o “Botão Sim”
Para entender a força da nova lei, basta observar o Artigo 14, Parágrafo Único, do Capítulo III, sobre os Mecanismos de Aferição de Idade:
Art. 14. Os provedores de aplicações de internet deverão implementar mecanismos eficazes e proporcionais para a aferição da idade dos usuários, especialmente quando o acesso a determinados conteúdos ou serviços possa expor crianças e adolescentes a riscos previstos nesta Lei.
Parágrafo Único. A mera declaração de idade pelo usuário, sem a complementação de métodos de verificação que atestem sua veracidade com grau razoável de segurança, será considerada insuficiente para o cumprimento do disposto no caput, devendo as plataformas buscar soluções tecnológicas que minimizem a possibilidade de falsidade ideológica por parte de menores.
Este trecho é o prego no caixão do simples “Sou Maior de 18”. Ele exige proatividade e inovação das plataformas, e não mais a passividade que permitia a livre circulação de menores em ambientes inadequados.
Multas Milionárias para o Descumprimento
O ECA Digital não veio apenas para aconselhar; veio para punir com rigor. O Capítulo de Sanções da Lei estabelece penalidades severas para quem insistir em manter o status quo do botão ineficaz.
As multas podem chegar a até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no ano anterior ou, em casos específicos, até R$ 50 milhões por infração.
Além de disso, dependendo da gravidade, da extensão e da reincidência do dano/infração, a lei ainda prevê a suspensão temporária das atividades ou até a proibição de exercício das atividades.
Este nível de punição sinaliza que o tema da proteção infanto-juvenil no ambiente digital não é mais um problema de relações públicas, mas sim um risco financeiro e legal de altíssimo calibre para as big techs que operam no país. A fiscalização promete ser rigorosa e coordenada por diversas agências, incluindo a ANPD e o Ministério Público.
O prazo de adaptação é apertado e a lei entra em vigor nos próximos meses. As empresas estão em uma corrida contra o tempo para abandonar a verificação superficial e criar barreiras reais. O famoso botão “Sou Maior de 18 Anos” não é apenas ineficaz; é, agora, um convite direto à fiscalização e à multa. Sua utilidade, felizmente, está declarada morta no Brasil.
Paula Aguiar
Presidente
Abipea.com.br