A revolução da IA na indústria pornô: reflexões a partir de Erika Lust

A revolução da IA na indústria pornô: reflexões a partir de Erika Lust

A inteligência artificial (IA) tem transformado setores tão diversos quanto a medicina, a educação e o entretenimento. Na indústria pornô, essa revolução não é diferente. Através de avanços tecnológicos, como a realidade virtual (VR) e os controversos deepfakes, a IA está redefinindo a forma como as pessoas consomem e interagem com o conteúdo adulto. Nesse contexto, a cineasta sueca Erika Lust, uma das principais vozes do cinema adulto feminista, oferece uma perspectiva única sobre como a tecnologia pode ser usada de maneira ética e criativa para enriquecer experiências sensoriais, ao mesmo tempo em que alerta para os perigos de seu uso indevido. Este artigo explora o impacto da inteligência artificial na indústria pornô, com base nas reflexões de Lust e nas tendências atuais, destacando tanto as possibilidades quanto os desafios éticos que acompanham essa transformação.

A interseção entre sexo e tecnologia

A indústria adulta sempre esteve na vanguarda da adoção de novas tecnologias. Desde os primórdios da fotografia até o advento da internet, o setor encontrou formas de utilizar inovações para alcançar públicos maiores e oferecer experiências mais imersivas. Hoje, a inteligência artificial está no centro dessa evolução, proporcionando ferramentas que vão além do simples consumo visual. Erika Lust, em entrevista à ao Portal Watson.de, destaca o potencial da realidade virtual para criar experiências sensoriais mais profundas. “Óculos de realidade virtual para assistir a pornografia não está tão distante assim”, afirma Lust, sugerindo que a tecnologia pode transformar a maneira como as pessoas vivenciam o prazer.

A realidade virtual, impulsionada por algoritmos de IA, permite a criação de ambientes imersivos que estimulam múltiplos sentidos. No “House of Erikalust“, em Barcelona, Lust combina arte, tecnologia e erotismo para oferecer uma experiência que ela descreve como um “mergulho em um país das maravilhas erótico”. Visitantes utilizam óculos de realidade virtual para vivenciar cenas que vão além do visual, integrando elementos táteis e sensoriais que amplificam a conexão com o conteúdo. Essa abordagem reflete uma visão mais ampla de sensualidade, que, segundo Lust, envolve “estar presente e se entregar à beleza da vida”.

A IA também desempenha um papel crucial na personalização de conteúdos. Algoritmos podem analisar preferências dos usuários e sugerir vídeos ou experiências que correspondam aos seus desejos, algo que já é comum em plataformas de streaming tradicionais. Na indústria adulta, isso significa que o conteúdo pode ser adaptado para refletir fantasias específicas, respeitando a diversidade de gostos e identidades. Lust enfatiza a importância de criar um espaço onde “o desejo possa ser explorado sem preconceitos”, e a IA tem o potencial de tornar isso realidade ao oferecer experiências inclusivas e personalizadas.

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foto divulgação House of Lust

O potencial transformador da IA no cinema pornô

Erika Lust é conhecida por sua abordagem ética e feminista à produção de filmes eróticos. Desde a fundação de sua produtora, Lust Films, em 2004, ela busca criar conteúdos que desafiem os estereótipos da pornografia mainstream, promovendo diversidade, autenticidade e consentimento. A inteligência artificial, quando usada de forma responsável, pode ampliar essa missão. Por exemplo, a IA pode ser utilizada para melhorar a produção de filmes, desde a edição automatizada de cenas até a criação de cenários virtuais realistas. Essas ferramentas reduzem custos e permitem que cineastas independentes, como Lust, experimentem novas formas de contar histórias eróticas.

Além disso, a IA pode ajudar a democratizar a produção de conteúdo. Plataformas como o projeto XConfessions de Lust, onde usuários enviam anonimamente suas fantasias para serem transformadas em curtas-metragens, poderiam se beneficiar de ferramentas de IA para analisar e categorizar essas submissões, identificando temas comuns ou tendências emergentes. Isso permitiria a criação de conteúdos ainda mais alinhados com os desejos do público, mantendo a essência de autenticidade que Lust valoriza.

Outro aspecto promissor é a integração de IA com tecnologias táteis. Lust menciona o desejo de tornar a pornografia “não apenas visual, mas sensorial”. Dispositivos hápticos, que simulam o toque, já estão sendo desenvolvidos, e a IA pode ser usada para sincronizar essas sensações com o conteúdo visual, criando uma experiência mais envolvente. Por exemplo, algoritmos podem ajustar a intensidade de estímulos táteis com base no ritmo de uma cena, oferecendo uma conexão mais profunda entre o espectador e o conteúdo. Essa abordagem alinha-se com a visão de Lust de tratar o sexo como uma forma de arte, capaz de estimular todos os sentidos.

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foto divulgação House of Lust

Os Desafios Éticos dos Deepfakes

Apesar do potencial transformador, a inteligência artificial também traz desafios significativos, especialmente no que diz respeito aos deepfakes. Deepfakes são vídeos gerados por IA que manipulam imagens para inserir rostos de pessoas reais em contextos fictícios, frequentemente sem seu consentimento. Na indústria adulta, isso tem gerado preocupações éticas graves. Erika Lust, em sua palestra na re:publica 2019, alertou que os deepfakes representam “uma nova fronteira para a pornografia não consensual, a pornografia de vingança e as fake news”. Ela destaca que esses vídeos, muitas vezes criados com imagens retiradas de redes sociais, violam a privacidade e a dignidade das pessoas, especialmente mulheres.

A facilidade de criar deepfakes é alarmante. Como Lust aponta, “qualquer um pode usar imagens de colegas, amigos ou ex-parceiros para criar vídeos falsos”. Essa acessibilidade amplifica o risco de cyberbullying e exploração, especialmente porque as vítimas muitas vezes não têm recursos legais para se proteger. Enquanto celebridades podem recorrer a ações judiciais por violação de imagem, pessoas comuns enfrentam barreiras significativas, já que o conteúdo deepfake não é “real” no sentido tradicional. Isso levanta questões sobre a necessidade de regulamentações mais rígidas para proteger indivíduos contra o uso indevido de IA.

Lust também critica plataformas de streaming que hospedam deepfakes, como o Pornhub, que, apesar de promessas de proibir esse tipo de conteúdo, continua a permitir sua disseminação. Ela defende que essas plataformas devem assumir maior responsabilidade, implementando sistemas proativos para detectar e remover vídeos manipulados. A falta de ação por parte dessas empresas reflete uma falha sistêmica na indústria, que muitas vezes prioriza o lucro em detrimento da ética.

A Necessidade de Padrões Éticos na Indústria

Para Lust, a tecnologia, especialmente no contexto de conteúdos adultos, deve ser acompanhada por “padrões éticos rigorosos”. Isso inclui garantir que todos os envolvidos na produção de conteúdos, desde os atores até os técnicos, sejam tratados com respeito e trabalhem em condições seguras. A IA pode desempenhar um papel positivo aqui, por exemplo, ao automatizar processos que garantam o consentimento dos participantes, como sistemas de verificação de identidade ou contratos digitais baseados em blockchain.

Além disso, Lust enfatiza a importância de educar os consumidores sobre o impacto de suas escolhas. A pornografia gratuita, amplamente disponível em plataformas de streaming, muitas vezes vem com um custo ético, incluindo exploração de trabalhadores e falta de transparência. A IA pode ajudar a criar modelos de negócios mais sustentáveis, como plataformas baseadas em assinatura que priorizem conteúdos éticos e paguem justamente aos criadores.

O futuro da IA na indústria pornô

Olhando para o futuro, é evidente que a inteligência artificial continuará a moldar a indústria de maneiras profundas. Erika Lust prevê que a combinação de VR, IA e tecnologias táteis levará a experiências que transcendem o formato tradicional de vídeo. “A pornografia tem um potencial incrível para transmitir atitudes positivas em relação ao sexo”, diz ela. No entanto, esse potencial só será realizado se a indústria adotar uma abordagem ética e inclusiva.

A personalização impulsionada por IA pode tornar o conteúdo adulto mais acessível e relevante para públicos diversos, promovendo a inclusão de diferentes identidades, orientações sexuais e tipos de corpo. Lust, que já trabalha com atores de diversas origens em seus filmes, vê a tecnologia como uma ferramenta para ampliar essa diversidade. Por exemplo, algoritmos de IA podem ajudar a criar representações mais realistas e variadas de corpos e experiências sexuais, desafiando os estereótipos predominantes na pornografia mainstream.

Por outro lado, o avanço dos deepfakes exige uma resposta urgente. A criação de regulamentações internacionais, como as propostas pela União Europeia para criminalizar deepfakes até 2027, é um passo na direção certa. Além disso, empresas de tecnologia devem investir em ferramentas de detecção de deepfakes, usando IA para combater IA, identificando conteúdos manipulados antes que se tornem virais.

A Visão de Erika Lust: Sexo como Arte e Tecnologia como Ferramenta

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foto divulgação Erika Lust

No cerne da filosofia de Erika Lust está a crença de que o sexo é uma forma de arte que merece ser tratada com respeito e criatividade. A inteligência artificial, quando usada de forma ética, pode elevar essa arte a novos patamares, criando experiências que não apenas excitam, mas também inspiram e educam. Projetos como o House of Erikalust demonstram como a tecnologia pode ser combinada com uma visão humanista para criar espaços seguros e inclusivos onde o desejo é celebrado sem estigma.

Lust também destaca a importância da educação sexual em um mundo onde a pornografia é acessível a idades cada vez mais jovens. Seu projeto The Porn Conversation utiliza recursos baseados em IA para fornecer ferramentas a pais e educadores, ajudando-os a abordar o tema da pornografia com adolescentes de maneira aberta e informada. A IA pode ser usada para criar conteúdos educativos interativos, como simulações ou chatbots que respondam a perguntas sobre sexualidade de forma segura e respeitosa.

Enfim…

A inteligência artificial está remodelando a indústria erótica, oferecendo oportunidades para criar experiências mais imersivas, personalizadas e inclusivas. No entanto, como Erika Lust enfatiza, essas inovações devem ser guiadas por princípios éticos que priorizem o consentimento, a diversidade e o respeito. Enquanto tecnologias como a realidade virtual abrem novas possibilidades para a expressão sensual, os deepfakes representam uma ameaça significativa que exige ação imediata de legisladores, empresas e consumidores.

O trabalho de Lust serve como um lembrete de que a tecnologia é apenas uma ferramenta — seu impacto depende de como é usada. Ao combinar IA com uma visão ética e artística, é possível criar uma indústria erótica que não apenas entretenha, mas também celebre a complexidade e a beleza da sexualidade humana. A revolução da IA na indústria adulta está apenas começando, e cabe aos criadores, consumidores e reguladores garantir que ela seja uma força para o bem.

Publicitária, Consultora e expert em Mercado Erótico, Escritora e empresária. Atua no Mercado Erótico Brasileiro desde o ano 2000. Autora de 28 livros de negócios e sobre produtos eróticos para os consumidores. De 2010 a 2017, presidiu a ABEME – Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico. Citada em mais de 100 teses universitárias e livros de sexualidade sobre o tema. Desenvolve e projeta produtos eróticos e cosméticos sensuais para os maiores players do setor. Criadora do primeiro seminário de palestras para empresários do mercado erótico em 2006. Apoiadora e partícipe dos mais importantes eventos eróticos do mundo. Também idealizadora do Prêmio Melhores do Mercado Erótico e Sensual que, desde 2016, anualmente elege as melhores empresas, as inovações, os produtos mais queridos e desejados e as ações que estimularam o desenvolvimento do setor. É fundadora e co-autora do site MercadoErótico.Org.

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