Sister Hong: análise madura de um escândalo que não representa nossa comunidade

Sister Hong: análise madura de um escândalo que não representa nossa comunidade

Por Paula Lavigne Silva

Nas últimas semanas, um caso vindo da China tomou conta das redes sociais e gerou debates intenso, e infelizmente, muitos deles carregados de sensacionalismo e estigmas pesados.

Estamos falando da prisão de um homem (cross?) que se apresentava como mulher sob o nome de “Sister Hong”, acusado de enganar, filmar e expor centenas de homens sem o consentimento deles. Um caso triste e complexo, que vai muito além dos memes e do escândalo.

Hoje, quero trazer aqui uma reflexão mais profunda sobre o que esse caso representa, por que ele é tão grave e, principalmente, como podemos nos proteger, enquanto comunidade trans, crossdresser, fluida ou aliada. Porque mesmo sendo um episódio isolado, as consequências dele nos atingem, sim. E precisamos falar sobre isso com maturidade, sem deixar que esse caso defina quem somos.

O que aconteceu com a “Sister Hong”

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No início de julho de 2025, um homem de 38 anos foi preso na cidade de Nanjing, na China. Ele se apresentava como mulher nas redes sociais e em aplicativos, usava o nome “Sister Hong” e atraía outros homens para encontros íntimos. O problema? Ele gravava secretamente esses encontros e depois vendia os vídeos em grupos fechados na internet por valores próximos a 150 yuan (cerca de 100 reais).

Algumas estimativas exageradas falavam de mais de mil vítimas, mas a polícia descartou esses números como especulação. Ainda assim, é confirmado que dezenas de pessoas foram gravadas sem saber, algumas delas expostas com rosto, nome e até dados pessoais visíveis nos vídeos.

As consequências foram pesadas: pessoas perderam relacionamentos, empregos, reputações. Autoridades locais inclusive passaram a oferecer exames gratuitos de DSTs para possíveis vítimas. Três casos positivos já foram detectados entre mais de 200 pessoas testadas.

Um caso de crime, não de identidade

É aqui que mora um ponto importante da nossa conversa.

O que aconteceu com a “Sister Hong” não tem nada a ver com o universo trans, com pessoas crossdressers ou com quem se expressa de forma feminina. Tem a ver com crime, manipulação, abuso e exploração. Simples assim.

Mas infelizmente, quando algo assim acontece e envolve alguém com expressão de gênero considerada “não tradicional”, o mundo inteiro aponta o dedo como se todos nós fôssemos cúmplices. E é exatamente por isso que precisamos falar: isso não nos representa.

Nós, como pessoas trans, cross ou aliadas, não temos nada a ver com esse tipo de comportamento. A nossa existência é sobre verdade, liberdade, empatia e respeito. Usar o feminino para enganar, se aproveitar da vulnerabilidade de outros e ainda transformar isso em lucro é uma perversão que nos machuca duplamente: primeiro por atacar outras pessoas, depois por jogar esse peso sobre nossas costas.

Quando a dor vira espetáculo

Um dos aspectos mais cruéis desse caso foi o que veio depois: a viralização. O nome “Sister Hong” virou meme. Gente rindo, recriando os vídeos, fazendo cosplay da personagem. Tudo isso enquanto existiam pessoas reais, feridas, tentando entender o que tinha acabado de acontecer com elas.

Ver isso é assustador. Porque mostra como a internet consegue transformar uma situação de abuso em conteúdo de entretenimento. E porque mostra como ainda há um abismo entre o respeito que queremos e o respeito que recebemos.

E aqui, mais uma vez, o alvo se espalha: quando uma pessoa trans ou cross se expõe na internet com naturalidade, como parte da sua liberdade, corre o risco de ser confundida com algo que nada tem a ver com ela. É o estigma da hipersexualização, como se ser diferente fosse, automaticamente, ser perigosa ou “pervertida”. Isso é injusto e violento.

Cuidados que precisamos tomar

Infelizmente, ainda vivemos em um mundo que nos trata como exceções, não como seres humanos completos. Por isso, precisamos reforçar entre nós algumas atitudes de proteção e cuidado, tanto emocional quanto físico e digital:

  • Evite ambientes inseguros. Conheça bem com quem você está lidando antes de marcar encontros. Desconfie de perfis muito anônimos ou insistentes.
  • Tenha clareza sobre consentimento. Ninguém pode te filmar ou registrar imagens sem que você tenha consentido, e o contrário também vale. Isso vale pra tudo: vídeos, nudes, lives, gravações.
  • Se proteja emocional e fisicamente. Confie nos seus instintos. Leve uma amiga por perto se for preciso. Sua segurança vem sempre primeiro.
  • Cuidado com onde compartilha suas fotos e dados. Prefira plataformas seguras, com controle de privacidade. Não se deixe levar por promessas fáceis ou discursos manipuladores. Cuidado com pessoas que surgem do nada oferecendo empregos, recompensas, dinheiro fácil.
  • Converse. Ter uma rede de apoio, amigas e pessoas com quem dividir experiências faz toda a diferença. A solidão é uma das armadilhas mais perigosas.

Estamos juntas, e somos muito mais do que isso

Casos como o da Sister Hong são importantes, sim, porque nos fazem pensar, refletir e nos proteger. Mas precisamos ter muito claro: isso não define quem somos.

Nós somos pessoas que estão vivendo sua verdade, expressando sua essência, amando com coragem, aprendendo todos os dias. Isso não tem nada a ver com crime, nem com disfarce. É sobre ser, não sobre enganar.

Não vamos permitir que o sensacionalismo de um caso destrua a beleza e a força da nossa comunidade. Vamos continuar firmes, construindo espaços seguros, conscientes, afetivos.

Com dignidade. Com amor. Com respeito por nós mesmas e por todos ao nosso redor.

Você merece ser quem é. Com segurança, com orgulho e com liberdade.

Com carinho,

paula-lavigne Sister Hong: análise madura de um escândalo que não representa nossa comunidade

Paula Lavigne Silva
Rainha Crossdresser 2024
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