NOVA DÉLHI — Uma disputa entre prazer, saúde e lei afeta milhares de indianos que dependem de equipamentos como vibradores terapêuticos, dilatadores vaginais e bombas penianas para tratar disfunções sexuais e problemas pélvicos. Esses produtos, que podem servir tanto para o prazer quanto para a reabilitação médica, estão no centro de um impasse jurídico que deixa pacientes e médicos sem respostas.
A fronteira entre produtos de bem-estar sexual e dispositivos médicos na Índia não é apenas tema de debate, mas um dilema que atravessa um mercado em plena expansão. Enquanto a legislação mantém o assunto em uma “zona cinzenta”, dados de mercado revelam um setor que floresce apesar da incerteza.
De acordo com relatórios, o segmento de brinquedos sexuais na Índia foi avaliado em US$ 112,45 milhões em 2024. Projeções indicam que esse valor deve mais que dobrar, chegando a US$ 264,07 milhões até 2030, com taxa de crescimento anual composta (CAGR) de 15,35%. O avanço é impulsionado por mudanças na percepção social, aumento da renda disponível e a praticidade do comércio eletrônico, que garante compras discretas.
Vazio legal complica o acesso

A legislação indiana não proíbe explicitamente a venda de brinquedos sexuais, mas muitas regiões aplicam normas moralistas que restringem o comércio. Já os dispositivos médicos precisam de registro oficial e aprovação rigorosa.
Quando um produto é usado para ambas as finalidades — erótica e terapêutica — surge o dilema: qual classificação adotar? Sem definição, fornecedores enfrentam burocracia e preços elevados, dificultando a vida de quem precisa de tratamento.
Apesar do vigor econômico, o setor opera sob a sombra da Lei de Obscenidade (Seção 292 do Código Penal Indiano). A ausência de regulamentação específica para a indústria de bem-estar sexual permite que autoridades classifiquem esses itens como “materiais obscenos”, criando risco constante de apreensões e processos. Para driblar a questão, muitas empresas anunciam os produtos como “massageadores corporais” ou “instrumentos de terapia”. Pesquisas indicam que, devido ao estigma e à falta de lojas físicas, cerca de 85% das vendas ocorrem em plataformas de e-commerce.
Essa ambiguidade legal também atinge profissionais de saúde: sexólogos e médicos frequentemente prescrevem esses produtos como ferramentas legítimas para tratar disfunções como disfunção erétil e anorgasmia. O uso terapêutico colide com a interpretação subjetiva da lei, criando um impasse que afeta empresas e pacientes.
Ativismo em crescimento
ONGs e profissionais de saúde pressionam por normas que diferenciem produtos estritamente eróticos daqueles com finalidade médica. Para especialistas, a falta de clareza reflete o tabu que ainda cerca a sexualidade no país.
“Saúde sexual é saúde. Ponto. Precisamos de uma política pública que reconheça isso”, afirmou à reportagem original um médico indiano engajado em campanhas de conscientização.
Um alerta global
O crescimento robusto do mercado e a mudança no comportamento dos consumidores — com levantamentos indicando que 62% dos compradores online são homens — sugerem que uma reforma legislativa é inevitável. Leis claras tornam-se urgentes para proteger a saúde pública, os direitos dos consumidores e o desenvolvimento de uma indústria que, mesmo em meio ao tabu, se mostra resiliente.
O impasse indiano também serve de alerta para outros países, inclusive o Brasil. Aqui, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) mantém regras específicas para dispositivos de saúde íntima e o mercado erótico é legalizado. Ainda assim, mudanças em políticas de importação ou em classificações sanitárias poderiam criar obstáculos semelhantes se não houver atenção à fronteira entre prazer e tratamento.
