Neste domingo, 22 de junho de 2025, a Avenida Paulista se transforma mais uma vez no maior corredor de orgulho e diversidade do mundo com a 29ª edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo.
Este ano, o tema é contundente e urgente: “Envelhecer LGBT+: Memória, Resistência e Futuro”. Um chamado coletivo para reconhecer trajetórias que sustentaram a luta LGBT e que, por muito tempo, foram apagadas ou ignoradas nas narrativas sociais e também nas produções culturais.
E é exatamente nesse contexto que o filme “Homem com H”, que estreou nesta terça, dia 17 na Netflix, se conecta com esse momento histórico. Não por acaso. Dirigido por Esmir Filho, e estrelado por Jesuíta Barbosa, o longa já é TOP 1 hoje na plataforma, e é um manifesto vivo e sensual que resgata a história e a performatividade de Ney Matogrosso não apenas como artista, mas como um arquétipo de transgressão, erotismo, liberdade e permanência. Ney, que hoje tem mais de 80 anos, segue como um dos maiores exemplos de envelhecimento LGBT+ com dignidade, arte e resistência.
Do palco ao protesto: quando arte e ativismo se entrelaçam
Homem com H não é um documentário tradicional, nem uma cinebiografia com os clichês que estamos acostumados. É uma experiência visual, corporal e simbólica. Através de uma linguagem estética arrojada, com pegada teatral e cenografia crua, o filme encena corpos em expressão, em conflito, em desejo.
Confesso que cheguei a ter sonhos bem esquisitos na noite em que assisti o filme que me impactou imensamente em sua coragem de mostrar tudo, recuperando o talento do cinema brasileiro em ostentar o nu com maestria artística e sensual, mesmo sendo tão mainstream.
E comentando com a Paula sobre esses sonhos, foi que tive a ideia de escrever esse review, porque também tive um insight de como o filme se tornou um espelho perfeito para o tema da Parada deste ano.
Afinal, envelhecer enquanto LGBT+ no Brasil ainda é um desafio cercado por preconceito, abandono familiar, escassez de políticas públicas e apagamento afetivo-sexual. E Homem com H contrapõe essa narrativa com ousadia. Mostra que o corpo maduro também deseja, também performa, também brilha, também é político.
O erotismo como linguagem de sobrevivência
Algo que merece destaque é como o erotismo é tratado no filme: não como pornografia, não como clichê ou objeto de desejo para consumo, mas como expressão política, como linguagem de sobrevivência. Em tempos onde o conservadorismo tenta controlar nossos corpos e sexualidades, colocar o prazer no centro do discurso é um ato revolucionário.
Os corpos que dançam, tocam e se olham em cena traduzem em movimento o que a Parada também quer ecoar nesse próximo domingo nas ruas: que o amor, o desejo, o afeto e o erotismo não têm prazo de validade.
Que o envelhecer pode (e deve) ser vivido com intensidade, sem culpa, sem silêncio. Que há beleza na pele que se dobra, na voz que se torna rouca, no olhar que carrega memórias de lutas.
Ney Matogrosso: memória viva, futuro em cena
Ao reverenciar Ney, o filme também abre espaço para uma discussão profunda sobre as figuras que vieram antes de nós. Quantos artistas LGBT+ da geração de Ney foram apagados, mortos pela AIDS, assassinados, marginalizados? Ney é uma das poucas figuras que conseguiram atravessar o tempo, mas isso não se deu por sorte. Foi estratégia, resistência, talento e coragem.
Na Parada deste domingo, quando celebramos a longevidade da nossa existência, também devemos lembrar da importância de preservar nossas memórias. Os que hoje estão com 60, 70, 80 anos foram os que abriram os caminhos que percorremos hoje com mais liberdade. Foram eles que desafiaram a ditadura, o moralismo religioso, a medicina patologizante, as famílias excludentes. E é por isso que o filme emociona tanto: ele é uma oferenda a todas as gerações.
Representatividade etária: o novo desafio da inclusão LGBT+
A discussão sobre etarismo dentro da própria comunidade LGBT+ ainda é tão incipiente quanto urgente. E o filme surge como um convite à reflexão: quantos influenciadores digitais você segue que têm mais de 60 anos? Quantos corpos maduros aparecem em campanhas de moda, em clipes, em filmes eróticos, em produções culturais?
Não basta lutar contra o preconceito da sociedade: é preciso olhar para dentro. E tanto a Parada quanto o filme estão fazendo esse papel, de tensionar nossos próprios silêncios, nossas próprias exclusões.
Da tela para a rua: o convite à celebração consciente
Assistir Homem com H antes da Parada é quase um ritual de preparação. Porque ele te coloca em estado de presença, de escuta, de sensorialidade. Ele te lembra que por trás do glitter, da purpurina e do som dos trios, há uma história. Há uma geração que merece ser homenageada não apenas com cartazes e palavras, mas com a continuação da luta.
Se você vai à Paulista neste domingo, leve esse filme no peito. E se você ainda não viu o filme, faça disso um ato de autocuidado e formação: alimente sua alma com arte que te representa.
Porque envelhecer não é o fim: é o prêmio.
E se existe uma mensagem clara em Homem com H e na Parada de 2025, é essa: estamos vivos. Sobrevivemos. E queremos mais.
Queremos gozar, lembrar, dançar, protestar e amar. Aos 20, aos 40, aos 70 e mais.